Reflexão feita por Luis Eduardo Frin acerca de nossa participação no FESTA 57 – Festival de Santos – no dia 08 de setembro de 2015.

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Em cena, o filho interpela o pai por ele ter abandonado a família. A voz do filho é a voz do ator, a do pai: os acordes de uma guitarra. Esse é apenas um dos exemplos, talvez o mais pungente, de como o Coletivo Negro imbricou texto, cena e música na construção dramatúrgica de {ENTRE}, apresentado na noite de 08 de setembro no Festa 57.

O espetáculo, que é uma peça de teatro, um show, um baile, ou um encontro no qual dois amigos tomam um café, mescla narrativas distintas em enredo que, mesmo constituído sobre diferentes histórias e diferentes estéticas, prima pela unidade.

Para isso, foi extremamente feliz a opção de situar a ação em um conjunto habitacional. As portas de apartamentos vizinhos do cenário são abertas, fechadas, unidas, derrubadas e até desmaterializadas simbolicamente durante a encenação. Assim, fica claro que, no contexto apresentado, as fronteiras são difusas. As falas, as brigas, as lutas transpassam paredes-meias e atestam que a história de um, é a de todos.

E que história é essa? É a dos que lutam para romper pressupostos definidos antes do próprio nascimento. Dos que lutam para nascer de verdade e ser senhores dos seus destinos. O Coletivo Negro se define como “grupo de afro-descentes comprometidos com a investigação cênico-poética do imaginário construído em relação ao negro brasileiro”. Agora, como se não bastasse trabalhar artisticamente de maneira tão inspirada questões de fundo étnico-racial, o grupo vai além ao abrir um caleidoscópio imagético, sensorial e reflexivo que toca a todos que, de alguma maneira, percebem-se cerceados por estruturas sociais cristalizadas que prejulgam, qualificam, estereotipam… Matam. Simbólica e realmente.

{ENTRE} é um daqueles felizes exemplos que a crítica a aspectos técnicos da encenação é, absolutamente, irrelevante. Isso por que, ali, o show foi só um pretexto para que as portas, as couraças endurecidas daqueles que, como na música: “não vivem, apenas aguentam”, se abrissem para a comunhão de sentimentos, angústias, alegrias e reflexões. Compartilhamento capaz de transformar vidas… E isso é teatro.

Por Luiz Eduardo Frin